Helena Roseta
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Em entrevista à Lusa
Helena Roseta fala da "caixa negra da procura" de habitação
23-09-2024 SBR, Lusa

Há um “gigantesco fosso entre os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação e a gota de água no oceano em que eles se traduziram nos orçamentos de praticamente todos os governos desde então”, afirmou Helena Roseta à Lusa, por ocasião do lançamento do seu livro Habitação & Liberdade, que terá lugar na Assembleia da República no próximo dia 25. Para a autora, é preciso abrir a "caixa negra da procura", porque "há uma procura de acordo com as necessidades e é a essa que o poder público tem que responder e há uma procura de acordo com os desejos e essa é completamente aberta e não temos obrigação pública de lhe dar resposta”.

Helena Roseta também referiu a falta de oferta, sublinhando que “há casas a mais, mas não onde é preciso, nem a preço acessível”. “Temos imenso terreno, imensos edifícios, privados, livres, disponíveis, que não são mobilizados, porque a oferta só está interessada no que dá mais lucro e o que dá mais lucro é o segmento de luxo, porque há compradores, porque se incentivou essa procura externa".

A autora defende ainda as contradições entre a política fiscal e a política habitacional.
“Não podemos dar facilidades fiscais a medidas que contrariam o direito à habitação de muita gente”, ressalva. O dever da política pública é responder às necessidades básicas “e isso na habitação está a falhar”.

A luta pela habitação e pela democracia têm de estar juntas

No livro Habitação&Liberdade, da editora Caleidoscópio, Helena Roseta sublinha que a luta pela habitação e a luta pela democracia “têm mesmo que se fazer juntas”, porque “a habitação é um direito essencial, está consagrado na Constituição, mas não está garantida a muita gente em Portugal”. Aliás, acrescenta, o país está “a atravessar uma crise que priva uma parte importante da população de um direito essencial”, que obriga à revisão de “muitas das medidas que têm sido utilizadas”, porque não estão a garantir o direito à habitação.

No livro, escreve que existe um “gigantesco fosso entre os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação e a gota de água no oceano em que eles se traduziram nos orçamentos de praticamente todos os governos desde então”.

Nem juntando todo o dinheiro público, espalhado por vários programas, incluindo o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência, fundos europeus), num total de 3.000 milhões de euros, será suficiente para fazer mais do que “garantir umas dezenas de milhares de fogos”, estima, lembrando que “há muito mais gente que não consegue aceder à habitação ou que está em risco de perder a habitação que tem”.

Ex-coordenadora do programa Bairros Saudáveis, que começou durante a pandemia de covid-19 e a que o atual Governo decidiu pôr fim, Roseta diz que o direito à habitação precisa de deixar de ser uma “meta moral” para ser efetivamente concretizado.

No livro, a deputada recorda como o artigo 65.º da Constituição, que consagra o direito à habitação, “foi praticamente unânime” em 1976, apesar de na altura se viver “um momento de enorme tensão política” (o PREC, Processo Revolucionário Em Curso).

“Foi um privilégio da minha vida ter podido participar na Constituição de 1976, porque, de facto, ela continua viva e ainda hoje as pessoas se referem aos direitos da Constituição e precisam dela para se defender”, congratula-se.