Helena Roseta
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Habitação: por que razão o PS não ligou a Helena Roseta?
05-11-2022 São José Almeida, Público

Em artigo de opinião hoje divulgado no Público, a propósito das medidas aprovadas esta semana no Conselho de Ministros em matéria de habitação, a jornalista São José Almeida recorda o percurso de Helena Roseta pelo direito à habitação e interroga-se: "por que razão o PS não ligou a Helena Roseta? Ou de outro modo: por que é que o Governo levou tanto tempo para decidir investir de facto numa política pública de habitação?"

Transcreve-se em baixo o artigo na íntegra


Helena Roseta, um nome que esta semana ecoou na minha memória, a propósito da crise de habitação que existe em Portugal. Parte do problema da habitação, neste momento, é por causa da crise inflacionária. É, por isso, bem-vinda a medida aprovada, na quinta-feira, pelo Conselho de Ministros, da obrigatoriedade de os bancos renegociarem os créditos, de forma a proteger o direito à habitação de quem tem empréstimos para comprar a casa em que reside. Foi igualmente importante a indicação de um limite de 2% ao aumento das rendas, assegurando em simultâneo benefícios de compensação aos senhorios. Aliás, já durante a pandemia de covid-19 a decisão do Governo de introduzir um regime de moratórias foi essencial para assegurar o direito à habitação.

Associado à crise habitacional, foi esta semana questionada a decisão do Governo de criar um sistema de vistos de residência para nómadas digitais. Como é evidente, a economia e o investimento digital são essenciais à economia portuguesa e à modernização do país, como defendeu, na quarta-feira, em editorial, o director do PÚBLICO, Manuel Carvalho.

Não faz sentido, como medida de protecção do direito dos portugueses à habitação, a contestação ao desenvolvimento da economia digital e à decisão do Governo de criar um regime próprio de concessão de residência a trabalhadores e investidores digitais estrangeiros. Não é fechando as cidades e o país aos estrangeiros que se protege os mais frágeis.

Mas há, sim, um problema de fundo em Portugal em relação ao direito ao acesso à habitação. É um problema gravíssimo que só se resolve com políticas públicas robustas e estruturadas, cuja execução é lenta e que têm tardado – de tal forma que o parque habitacional público é baixíssimo, apenas 2%.

É, por isso, importante que finalmente o Conselho de Ministros tenha aprovado na quinta-feira o Programa Nacional de Habitação, que obedece à Lei de Bases da Habitação, aprovada pela Assembleia da República, em 2019. Esse programa prevê um investimento do Estado em habitação de 2 377 milhões de euros.

A pergunta, porém, impõe-se: por que razão o PS não ligou a Helena Roseta? É certo que o Governo aceitou e financiou o Programa Bairros Saudáveis, que Helena Roseta propôs durante a pandemia e que agora poderá vir a ter uma segunda edição.

Mas a verdade é que Helena Roseta tem sido olhada pelo PS e pela maioria dos políticos como a “chata de serviço”, devido à sua determinação e à sua dedicação às causas da sua vida – uma delas central é a do direito de todas as pessoas a terem uma habitação digna, o que para a política tem tido inclusivamente custos pessoais e políticos.

Desde que foi deputada à Assembleia Constituinte, em 1976, e depois presidente da Câmara Municipal de Cascais que Helena Roseta pensa e trabalha sobre habitação. Dona de uma fortíssima formação política, mas também cívica, em 2006, quando era bastonária da Ordem dos Arquitectos, Helena Roseta lançou o movimento Plataforma Artigo 65 – Habitação para Tod@s, um movimento de cidadãos dedicado à luta pelo direito à habitação digna e à exigência de políticas públicas para o garantir.

Como vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, entre 2007 e 2013, mandato para a qual foi eleita pelo Movimento de Cidadãos por Lisboa, foi responsável pelo pelouro da Habitação, no qual, aliás, criou o Programa BIP/ZIP, e que lhe serviu de inspiração para lançar, uma década depois, o Programa Bairros Saudáveis.

De novo deputada à Assembleia da República, entre 2015 e 2019, Helena Roseta conseguiu levar o PS a aprovar a – adiada durante décadas – Lei de Bases da Habitação. Após várias peripécias de conflito com o grupo parlamentar socialista e com o Governo, acabou por se demitir do grupo de trabalho que preparava o diploma. Mas, mesmo fora do processo do ponto de vista formal, foi Helena Roseta a responsável por muitos dos conteúdos do diploma, em cuja elaboração da versão final foi decisiva.

O seu papel e o seu estatuto de referência em relação à habitação foram mesmo reconhecidos pelo primeiro-ministro, António Costa, num debate parlamentar a 4 de Outubro de 2017. Da bancada do Governo António Costa fez questão de dizer em resposta a Helena Roseta: “É impossível eu responder a alguma pergunta da senhora deputada, visto que só eu posso fazer perguntas, e a senhora deputada responder, em matéria de habitação. A senhora deputada, desde deputada constituinte, desde a Assembleia Constituinte, que a habitação é a sua causa. Creio que é mesmo co-autora do artigo 65.º da Constituição Portuguesa. E, como sabe, o pouco que eu sei de habitação, devo-o aos sete anos de trabalho em conjunto, que tive o privilégio de ter, enquanto partilhámos os nossos mandatos na Câmara Municipal de Lisboa.”

Se António Costa pensava isto em 2017, a pergunta tem de ser repetida: por que razão o PS não ligou a Helena Roseta? Ou de outro modo: por que é que o Governo levou tanto tempo para decidir investir de facto numa política pública de habitação?