Helena Roseta
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Imobiliário: SIGI(lo) é a alma do negócio
02-03-2019 Elisabete Miranda, Expresso Economia
Foto de José Fernandes
Foto de José Fernandes

O regime jurídico das SIGI não sossega totalmente os investidores, mas para o Governo é melhor não levantar muitas ondas. A estratégia é viabilizar agora o diploma e ir completando o puzzle no futuro. O apelo do ministro da economia aos empresários é duplo: sejam discretos nas críticas e tratem de trazer investimento para Portugal.

O encontro pretendia-se em jeito de tertúlia, para falar “sem distorções nem preconceitos” sobre as SIGI, um dos instrumentos sensação do mercado imobiliário, e foi em tom familiar e cúmplice que Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, se dirigiu ao seleto grupo de convidados. Para relatar o caminho tortuoso que o diploma percorreu até à sua aprovação, e para avisar sobre o risco de se deitar tudo a perder caso os pequenos defeitos do regime sejam amplificados, agora que o Bloco de Esquerda (BE) requereu a sua apreciação parlamentar. A mensagem ao mercado é, por isso, direta: sejam discretos nas críticas e tratem de trazer investimento para Portugal porque, numa segunda fase, haverá oportunidade para limar algumas das arestas.

SIGI é o acrónimo de sociedades de investimento e gestão imobiliária, um instrumento que começou a ganhar forma no governo anterior mas que acabou por nascer pelas improváveis mãos de um governo socialista. O mercado tem aplaudido a iniciativa, até porque as SIGI farão circular dinheiro por um leque alargado de sectores — imobiliário, consultores, fiscalistas, revisores de contas, contabilistas, advogados e serviços financeiros que gravitam em torno da bolsa. E também porque, como sublinhou o advogado Tiago Cassiano Neves, o regime nacional apresenta algumas soluções mais flexíveis do que os congéneres, ao admitir outras formas de exploração económica, permitirá reduzir a fragmentação do mercado, e constitui uma novo canal de captação de investimento. Mas o resultado final, apesar de indicar um bom caminho, não é totalmente satisfatório para quem gostaria que o regime tivesse ido mais longe, por um lado, e para quem, andando a angariar clientes, precisa de garantir-lhes segurança jurídica.

Um grupo de dúvidas tem origem precisamente na forma ‘semiclandestina’ como o regime nasce: para evitar o Parlamento, o Governo optou por não criar um regime fiscal próprio, deixando-as por analogia com o mesmo tratamento dado aos organismos de investimento coletivo. Só que esta opção deixa no ar muitas incertezas, como é o caso de saber se haverá ou não lugar à cobrança de imposto do selo na aquisição de imóveis.

Tendo em conta que se espera que boa parte das SIGI seja criada por conversão de estruturas já existentes (outras sociedades, porque os fundos de investimento não poderão fazê-lo), o mercado também pretendia que ficasse preto no branco que todas as transferências de ativos estão isentas de IMT e de imposto do selo. Ou mais ambicioso, que se permita uma revalorização dos ativos no momento da sua transferência, de modo a reduzir a tributação à saída.

Uma prova de obstáculos

No encontro organizado pela APFIPP (Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios) e a consultora imobiliária Worx no elegante Palacete Duque d’Ávila, Pedro Siza Vieira ouviu os elogios, registou os pontos fracos e optou por enquadrar a prova de obstáculos que o diploma teve de superar até à sua aprovação em Conselho de Ministros.

Primeiro, foi preciso vencer a barreira dos reguladores e académicos, que argumentavam que não poderia haver REIT em Portugal porque caem no regime da diretiva da gestão de fundos. Depois veio o dilema fiscal: não havendo no Parlamento uma maioria para viabilizar apoios fiscais ao mercado imobiliário — nem sequer à direita — foi preciso encontrar a solução de nada fazer. A sugestão (que permitiu que o diploma passasse sob a forma de decreto-lei) foi de Fernando Rocha Andrade, e Pedro Siza Vieira está convencido de que, não fosse este subterfúgio, “não teríamos decreto-lei”.

Em terceiro lugar, foi preciso ultrapassar receios e críticas várias de supervisores e do próprio Governo. Receios de que as SOCIMI alimentem um mercado já sobreaquecido. Receios de que venham a aumentar a exposição do sector bancário ao imobiliário. E críticas ao facto de o instrumento não servir para dinamizar o mercado de arrendamento habitacional (tendo havido propostas, derrotadas, para que as SIGI fossem obrigadas a aplicar uma percentagem do seu ativo neste segmento).

Ora, agora que se fez todo este caminho, para o qual “conquistámos a CMVM, que participou ativamente no decreto-lei”, é bom que não se deite tudo a perder.

Críticas abrem caixa de Pandora

O pedido de apreciação parlamentar do BE reabre um dossiê que se pretendia passar discretamente, mas, considera Siza Vieira, por si só não constituirá uma ameaça porque há apoio parlamentar suficiente para viabilizar o diploma tal como está. Mas, se as críticas começarem a ser audíveis e “se as pessoas à volta desta mesa começarem a levantar mais desvantagens do que vantagens”, “vai abrir-se uma caixa de Pandora e descaracteriza-se o regime completamente”.

Querendo que haja SIGI em Portugal, o mercado tem duas coisas a fazer. Desde logo, discrição. Depois, tratar de contribuir para a imagem que o setor imobiliário tem e Portugal. Como? “Façam o favor de vender isto. Façam o favor de constituir SIGI. Façam o favor de arranjar alguém que invista no sector da habitação”. Caso contrário, “a batalha está perdida”, apelou o ministro, garantindo que da parte do Governo, nomeadamente do secretário de Estado do Fisco, há disponibilidade para aprimorar algumas matérias (nomeadamente o artigo 60º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).

José Veiga Sarmento, presidente da APFIPP que vê nascer um novo produto que faz concorrência direta aos seus fundos (sem que estes possam migrar para as SIGI), já estava alinhado no espírito de discrição pedido pelo ministro e, na sua intervenção, garantia que as SIGI não são um problema —representam antes uma oportunidade de angariar mais associados. O verdadeiro problema é externo e reside nas “forças da reação, um dominante do nosso ADN”, para quem “a mudança é uma abertura da porta ao pecado”.

Frases doutros

“Se isto for objeto de apreciação parlamentar e se os agentes do mercado começarem a fazer sugestões vai abrir-se uma caixa de Pandora e descaracteriza-se o regime completamente. O discurso que se faça à volta disto é importante”

Pedro Siza Vieira, Ministro Adjunto e da Economia

“O facto de isto poder ser um risco para os fundos de investimento imobiliários nunca constituiu uma restrição ao nosso apoio a este regime” (...) “Esperamos que as SIGI se associem na nossa associação”

José Veiga Sarmento, Presidente da APFIPP