É estranho que não se fale de todo o processo orçamental nem dos passos estratégicos necessários para chegar à proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Temos assistido a um crescendo de provocações entre o Governo e o PS sobre o próximo Orçamento do Estado. Como se tudo dependesse dos estados de alma do primeiro-ministro e do líder socialista no momento da votação de um diploma que só conheceremos em outubro. O Presidente também insiste em pressionar, preocupado agora com uma instabilidade política que não o inquietou quando dissolveu o Parlamento no ano passado.
É verdade que os tempos são de incerteza. Mas é estranho que não se fale de todo o processo orçamental nem dos passos estratégicos necessários para chegar à proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Somos um país da zona euro. Estamos obrigados a coordenar as nossas políticas socioeconómicas com os restantes Estados-membros e a cumprir os critérios dos tratados, repostos em vigor em 30 de abril passado, ou seja: défice inferior a 3% e dívida pública inferior a 60% do PIB. O critério do défice está ao nosso alcance, mas na dívida há trabalho a fazer, mesmo sabendo que na zona euro foi Portugal que teve, no final de 2023, a maior diminuição face ao trimestre anterior.
E que passos estratégicos têm de se cumprir? O Programa de Estabilidade 2024-2028, apresentado em abril pelo Governo anterior; o Programa Nacional de Reformas, também do Governo anterior, que o atual Governo remeteu para Bruxelas sem alterar; a Lei das Grandes Opções 2024-2028, cuja proposta já deu entrada no Parlamento; as recomendações específicas do Conselho Europeu para Portugal, aprovadas no mês passado; e por fim um plano orçamental estrutural nacional de médio prazo, imposto pelas novas regras europeias, a apresentar em setembro.
Alguém deu por estes documentos no debate público?
Nós, cidadãos, temos direito a mais e melhor informação sobre todo o processo orçamental, que, sendo eminentemente político, não deixa de ter sérias condicionantes técnicas. Está na altura de exigir um pouco mais de rigor e seriedade a todas as partes. Está na altura de tornar públicos os documentos essenciais do processo orçamental nacional: onde podemos aceder ao Programa Nacional de Reformas entregue em Bruxelas em abril? Porque é que ninguém divulgou a proposta de lei das Grandes Opções, já em apreciação na Assembleia da República Será que não existe o parecer do Conselho Económico e Social que a devia acompanhar?
em estes dados, ficamos no escuro.
Temos uma pesada obsessão salazarenta com o sacrossanto Orçamento do Estado. Precisamos dele, mas, como diria Jorge Sampaio, há mais vida para além do Orçamento. Bem sei que Governo e oposições têm credos e programas diferentes e ainda bem que assim é. Mas, em tempos difíceis, exige-se que sejam capazes de procurar, com seriedade e sem picardias, mais espaços de cooperação. Nem é responsável o Governo quando exige que quem se lhe opõe o deite abaixo, nem são responsáveis as oposições que tomam as suas bandeiras por caminho único de salvação.