Helena Roseta
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"Obviamente demito-me"
Carta ao Presidente do Grupo Parlamentar do PS
23-10-2018
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Senhor Presidente do Grupo Parlamentar:
A democracia não se esgota no apuramento das maiorias, implica também o respeito por um conjunto de regras na formação democrática da opinião dos órgãos eleitos. Nesse quadro, a disciplina partidária tem um papel relevante, mas não pressupõe o abandono do primeiro critério de decisão de qualquer eleito, no momento do voto, que é o respeito pela sua consciência.

Entendeu o PS solicitar o adimento das votações em curso sobre três diplomas do governo relativas a alterações ao arrendamento urbano (proposta de lei 129/XIII), à criação de um programa de arrendamento acessível (proposta de lei 127/XIII) e à alteração da tributação sobre o imobiliário (proposta de lei 128/XII). O adiamento, requerido para depois da votação global do Orçamento de Estado, foi aprovado indiciariamente no Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidade, que eu coordeno, com a oposição do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português, a anuência do PSD e a ausência do CDS.

Adiar sucessivamente votações porque não se tem maioria é, em minha opinião, um comportamento contrário às regras democráticas, sem suporte nas disposições regimentais e regulamentares da Assembleia da República.

Por isso e porque o tema em causa é manifestamente muito urgente, como bem frisou o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa no passado 5 de outubro, me opus a este adiamento. Espero e desejo que com ele a direcção do GPPS e o Governo consigam obter as maiorias necessárias, que até agora não lograram, para defender o direito à habitação e a regulação do mercado do arrendamento, que está em colapso em Lisboa, com graves implicações na vida de milhares de famílias e subidas de preço insustentáveis.

Reconheço nesta matéria causas estruturais e conjunturais que levam à sobreposição de falhas de mercado e falhas de Estado. Também reconheço que as leis aprovadas no Parlamento não são varinhas mágicas e que é vital aumentar substancialmente o investimento público na habitação. Mas isso não diminui a urgência do tema, antes a aprofunda.

É por todas estas razões, e porque a minha luta pelo direito à habitação e pela democracia não é de agora, que venho comunicar à direcção do Grupo Parlamentar que hoje mesmo, por razões de consciência, me demito das funções de coordenadora do Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidade, criado aliás nesta legislatura por proposta minha.

Continuarei a lutar pelo cumprimento integral do artigo 65º da Constituição da República, que ajudei a redigir. Resta-me algo que não me pode ser retirado, e cito Miguel Torga, que é “o terrível poder de recusar”.

Assembleia da República, 23 de outubro de 2018

A Deputada

Helena Roseta