Helena Roseta
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Regime Jurídico da Reabilitação Urbana
27-02-2017
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Foi na Lei dos Solos aprovada em 1976 pelo Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, que surgiu, pela primeira vez, a figura das áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística (ACRRU), que correspondiam na altura quer a bairros históricos em situação de profunda degradação, quer a bairros de génese ilegal das mais diversas origens. A Lei dos Solos foi sendo pontualmente alterada (nomeadamente através dos Decretos-Leis 313/80, de 19 de agosto, 400/84, de 31 de dezembro, e 307/2009, de 23 de outubro), mas só foi totalmente revogada pela nova lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo (lei 31/2014 de 30 de maio).

Os gabinetes técnicos locais e as SRU

Ao longo dos anos 80 foram desenvolvidos em diversos municípios, através de gabinetes técnicos locais por vezes apoiados pela administração central, projectos pioneiros de reabilitação de centros históricos, como no caso da Ribeira, no Porto, e de Guimarães. Este último teve um carácter exemplar cujo sucesso culminou na classificação do centro histórico de Guimarães a Património Mundial da Humanidade.
Em 2004 foram criadas as sociedades de reabilitação urbana (SRU), através do Decreto-Lei 104/2004, de 7 de Maio, que passaram a deter alguns dos poderes até então concentrados nos municípios, em matéria de ordenamento do território, controle prévio urbanístico e política de solos. As SRU podiam ser integralmente públicas ou assumir a forma de parcerias público-privadas.

A reabilitação urbana como processo integrado

É só em 2009 que surge, de forma integrada, o enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. É nessa altura que se associa à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana» ou ARUs) a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada, da estratégia e dos meios necessários. O DL 307/2009 revogou o DL 104/2004 que tinha criado as SRUs, que passram a poder ser entidades gestoras de operações de reabilitação urbana.
O novo regime procurou responder a cinco desafios:
a) Articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço público, os equipamentos e as infra -estruturas;
b) Garantir a coordenação entre os diversos actores, através de operações integradas nas «áreas de reabilitação urbana», cuja delimitação incumbe aos municípios e que concentram apoios fiscais e financeiros;
c) Diversificar os modelos de gestão das intervenções de reabilitação urbana;
d) Agilizar os procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas;
e) Desenvolver instrumentos para equilibrar os direitos dos proprietários com a necessidade de remover obstáculos à reabilitação associados à estrutura de propriedade.

A flexibilização do regime de reabilitação urbana levada a cabo em 2012

No contexto dos compromissos assumidos no quadro da intervenção da troika em Portugal, o governo da coligação PSD-CDS apresenta em 2011 uma proposta de lei que pretende flexibilizar e simplificar a criação de áreas de reabilitação urbana, bem como os procedimentos de controlo prévio de operações urbanísticas de reabilitação, baseando-se numa responsabilização acrescida dos autores de projecto e numa diminuição dos poderes públicos dos municípios.
Para além dos ganhos de tempo esperados, o novo regime abre contudo precedentes que podem trazer risco, na medida em que as entidades públicas deixam de fiscalizar a maioria das operações urbanísticas, com prazos de poucos dias para que os municípios intervenham e possam rejeitar as comunicações prévias recebidas.
Mais uma vez se passou do 8 ao 80, desresponsabilizando as entidades públicas e abrindo margem a que os privados possam, sem qualquer escrutínio público, realizar obras de reabilitação relevantes, com implicações no direito à habitação e no arrendamento, ou mesmo substituir-se ao município na concessão de alvarás de utilização.

O lamentável regime excepcional criado em 2014

Através do DL 53/2014, o governo de então criou um regime excepcional e temporário (durante 7 anos) de reabilitação urbana, que vem abrir portas ao não cumprimento, em edifícios destinados à habitação e com mais de 30 anos, de normativos essenciais de qualidade e acessibilidade, permitindo que tais exigências sejam derrogadas, desde a obrigatoriedade de cumprir o Regulamento Geral de Edificações Urbanas, que data de 1958, até requisitos de conforto acústico, térmico e acessibilidade universal.
É um diploma lamentável, que transforma a reabilitação de edifícios habitacionais numa oportunidade perdida, com grave prejuízo das condições de salubridade e conforto a que uma habitação deve responder nos nossos dias.

ARUs cresceram em flecha em todo o país

Existem neste momento 872 ARUs em Portugal, a maioria delas posterior à publicação da lei 32/2012. Veja mais AQUI. As ARU permitem usufruir de benefícios fiscais muito relevantes, que têm contribuido para dinamizar a reabilitação urbana.

Documentos

  • Decreto-lei 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU)
  • Lei 32/2012, de 14 de agosto, que altera o Decreto-lei 307/2009
  • Decreto-lei 307/2009, versão com as alterações da lei 32/2012 e do DL 136/2014, de 9 de setembro
  • Decreto-lei 53/2014, de 8 de abril, que cria um regime excepcional e temporário aplicável à reabilitação de edifícios ou de frações construidos há pelo menos 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana
Documentos
Documento em formato application/pdf Decreto-lei 307/2009,versão com as alterações da lei 32/2012 e do DL 136/2014, de 9 de setembro17315 Kb