Helena Roseta
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"O regime do arrendamento urbano que temos é uma espécie de lei muito velha e com muito botox"
Entrevista ao jornal do SIP-2018
07-06-2018

Helena Roseta é uma das oradoras convidadas para a Conferência do SIP 2018 - Salão Imobiliário do Porto 2018, que decorre entre 7 e 10 de junho na Exponor. O jornal do SIP 2018 entrevistou-a sobre a lei de bases do arrendamento e as alterações legais que estão em discussão na AR em matéria de Habitação.

Uma das suas missões, ao integrar o parlamento nesta legislatura, foi desenhar uma de bases da habitação, que foi recentemente apresentada. Nesta altura em que os problemas habitacionais são cada vez mais prementes, que soluções traz esta lei de bases para os cidadãos?
O objectivo principal da lei de bases é dar conteúdo ao artigo 65º da Constituição, que estabelece o direito à habitação e o papel do Estado, das autarquias e da sociedade civil. Ao contrário dos outros direitos sociais, este nunca teve uma lei de bases, o que se tem traduzido numa grande indefinição do que são as responsabilidades concretas dos poderes públicos, com investimento insuficiente para garantir que todos têm acesso a uma habitação condigna. Ainda recentemente foi notícia que a Alemanha ia investir 6 mil milhões de euros em habitação acessível. Entre nós esse regime nem sequer está legalmente definido – e é uma das propostas concretas que avanço.

Como foram as primeiras reacções a esta proposta de lei de bases?
Creio que as reacções foram mais aos títulos dos media do que ao diploma, que tem dezenas de páginas e certamente ainda não foi lido. Tive reacções contrárias, umas de apoio, outras de contestação a propostas concretas, como foi o caso da requisição por utilidade pública de imóveis injustificadamente devolutos, mediante indemnização, que foi muito criticada por certas vozes. Mas a lei está em discussão pública até meados de julho, estas reacções opostas até ajudam a que se discuta um tema que está na ordem do dia.

Nas principais cidades os preços estão cada vez mais longe das possibilidades da generalidade das famílias portuguesas, tanto no que diz respeito à compra de habitação, como ao mercado de arrendamento urbano. Quais as razões que têm levado a este crescimento vertiginoso?
É uma espécie de “tempestade perfeita”. Há uns anos, na sequência da crise, não havia dinamismo no mercado imobiliário e a reabilitação urbana não conseguia apoios financeiros. Quando se começou a incentivar a reabilitação, como uma aposta forte das cidades portuguesas, e se esperava que o arrendamento progredisse, baixaram as taxas de juro, os investidores começaram a interessar-se mais pelo imobiliário e os cidadãos perceberam que comprar casa podia ser mais interessante que alugar. Entretanto, aumentou a procura estrangeira, muito graças ao turismo e ao esforço de captação de investimento externo de que Portugal precisa, e surgiram as plataformas para o alojamento local, que encontraram aqui muita gente interessada em proporcionar essa oferta, primeiro de modo muito informal mas depois como um verdadeiro negócio. Tudo isso fez com que os preços subissem e continuem a subir, porque respondem a uma procura que já não é só portuguesa mas global. O fenómeno não é exclusivo do nosso país. Um pouco por todas as grande cidades europeias a carestia da habitação preocupa os poderes públicos. Todos falam em habitação acessível, mas é preciso saber como defini-la, como incentivá-la e qual o papel dos poderes públicos nessa nova oferta.

Acredita que a solução para o alívio de preços pode passar pela construção nova?
Portugal tem hoje um excedente de centenas de milhares de fogos em relação ao número de famílias, ao contrário do que acontecia quando se deu o 25 de abril. Por isso e porque o parque habitacional está envelhecido, a reabilitação tem de ter um papel decisivo. Mas não podemos ser dogmáticos. Há muitas situações em que a construção nova é necessária, ou porque não se justifica reabilitar o existente, ou porque há vazios que podem ser preenchidos harmoniosamente com edificado, ou ainda porque é possível densificar alguns tecidos urbanos, “compactando” a cidade e tornando-a até mais sustentável porque menos predadora de solo livre.

O turismo tem sido apontado como um dos principais responsáveis pela dinamização da económica e da reabilitação e regeneração urbana das cidades. Por outro lado, tem sido também olhado como o culpado para o aumento de preços. Qual é afinal a influência deste sector no panorama habitacional?
Acho que já respondi em cima. Precisamos de ter uma visão de médio e longo prazo de forma a garantir que o investimento turístico é sustentável e não cria fracturas sociais. Isto não é fácil em zonas como os centros históricos de Lisboa e Porto, onde, nalguns casos, já se terá ido longe demais. Por isso defendo que devem ser os municípios, que conhecem bem os territórios, a gerir as regras do alojamento local, por forma a não permitir que essas zonas se esvaziem e se transformem, como disse António Costa, em disneylândias para adultos, o que em última instância mataria o próprio turismo.

As propostas no âmbito da legislação sobre o arrendamento têm reacendido a discussão entre senhorios e inquilinos. Porquê? Qual o caminho para o equilíbrio?
Penso que o regime do arrendamento urbano que temos é uma espécie de lei muito velha e com muito “botox”. Ora pende para o lado dos senhorios, ora pende para o lado dos inquilinos - e a verdade é que há razões de queixa dos dois lados. Precisamos de coisas novas. Nunca conseguiremos encontrar um melhor equilíbrio se os poderes públicos se demitirem do seu papel, por si ou em parceria com os privados, como Lisboa está a fazer com o Programa de Renda Acessível. Mas também precisamos de corrigir excessos de liberalização que criam nas pessoas e nas famílias uma enorme instabilidade e segurança. Ninguém ganha com isso. A coesão social é um factor de confiança que não podemos descurar.

Que papel podem desempenhar as autarquias para dar resposta aos problemas habitacionais dos seus munícipes?
A lei de bases que apresentei confere aos municípios um papel central na definição dos Programas Locais de Habitação, que devem conduzir as suas estratégias de médio prazo. A oferta de habitação não se consegue aumentar rapidamente, mas temos de trabalhar nesse sentido, aproveitar as oportunidades e as energias criativas que existem na sociedade civil, mesmo em comunidades pobres, que são capazes de sacrifícios enormes para terem casa. E precisamos de dar o exemplo, gerindo cada vez melhor o património público. Se fomos capazes de integrar centenas de milhares de pessoas que retornaram das ex-colónias sem meios e sem habitação, também seremos capazes de vencer a presente crise.