Helena Roseta
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“Alívio fiscal para o arrendamento urbano tem de entrar já no OE”
Entrevista ao jornal ECO
04-10-2017
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Incentivos fiscais ao arrendamento de longa duração e a rendas acessíveis, reforço do Porta 65 e um programa nacional de realojamento são medidas que deverão entrar no OE/2018, diz Helena Roseta. Com um mercado de arrendamento “totalmente disfuncional” — e, no caso de Lisboa, até “em vias de extinção” –, a habitação vai ser uma das áreas prioritárias do Orçamento do Estado para 2018. Helena Roseta coordena o grupo de trabalho parlamentar sobre habitação, reabilitação urbana e políticas de cidades, de onde saíram medidas como o reforço do programa Porta 65 ou o prolongamento do período transitório de atualização das rendas antigas. Do lado do PS, é ela quem está a levar à secretária de Estado da Habitação as propostas consideradas urgentes para esta área.

Em entrevista ao ECO, a deputada e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa aponta os incentivos fiscais ao arrendamento urbano de longa duração e a rendas acessíveis, o reforço do programa de subsídios Porta 65 Jovem e um programa nacional de realojamento como as medidas que “têm de entrar já” neste Orçamento, mesmo que as verbas disponíveis para a pasta da habitação, recém-criada, possam ser “baixinhas”. No curto prazo, também é urgente rever as políticas de incentivo à reabilitação: não basta reabilitar, é preciso privilegiar a habitação em detrimento do turismo.

Há poucos meses, dizia que tinha pena de não existir uma Secretaria de Estado da Habitação, que foi entretanto criada. Já se reuniu com a nova secretária de Estado?
Já me reuni, poucos dias depois da posse, apenas para trocarmos impressões e para nos sintonizarmos. Sei que tem estado a trabalhar a mil à hora, porque apanhou o comboio já em andamento em fim de julho, quase em cima do Orçamento do Estado. Estou à espera de termos uma nova reunião brevemente para saber como estão as coisas para o Orçamento.

O que é que quer ver neste Orçamento do Estado?
Não sei até onde vamos conseguir ir. Ela conhece bem os problemas, mas a minha preocupação, neste momento, é saber até que ponto o Orçamento do Estado pode começar a dar resposta a três ou quatro questões. Uma primeira é a nível dos impostos, nomeadamente os impostos sobre a habitação e em particular sobre o arrendamento habitacional. Tem havido bastante sintonia de muitos parceiros, quer do lado dos senhorios, quer do lado dos inquilinos, no sentido de dizer que é preciso baixar a fiscalidade do arrendamento. Eu também penso isso. Vamos ver até onde é que se consegue ir. Não é a Secretaria de Estado da Habitação que define essas medidas, são todas negociadas com as Finanças. Mas esse era um sinal muito importante e espero que o Orçamento de 2018 nos traga esse sinal, algum alívio fiscal para o arrendamento urbano, sobretudo o arrendamento urbano de longa duração, que é o que temos menos, e a preços acessíveis.

Como deve traduzir-se esse alívio?
Pode fazer-se de várias maneiras. Ou mexendo na taxa liberatória, ou mexendo nos incentivos fiscais. Mas não basta mexer na fiscalidade para termos mais arrendamento. O mercado de arrendamento está totalmente disfuncional. No caso de Lisboa, além de estar disfuncional, está em vias de extinção, há cada vez menos casas para alugar. Há casas ainda de rendas antigas que estão com valores baixos, mas que, a prazo, estão condenadas. O grosso está a preços absolutamente disparatados, quando existe, porque, para os proprietários, há alternativas de investimento mais atraentes e mais interessantes. Ou até pode acontecer que não tenham alternativas nenhumas mas prefiram esperar para arrendar. É preciso refazer a confiança no mercado de habitação em Lisboa, entre as várias partes. Na questão do arrendamento, essa confiança foi muito desfeita.
Tenho consciência de que a própria legislação em que eu batalhei durante o ano passado, para proteger as pessoas idosas, as pessoas com deficiência e as pessoas com dificuldades económicas durante um período mais longo, foi uma vitória mas não é uma medida que ajuda a restabelecer a confiança no mercado. Pelo contrário, retrai ainda mais as pessoas de colocar casas no mercado de arrendamento. Há um problema de confiança e faltam medidas para ganharmos essa confiança. Era fundamental criar um seguro de renda para dar confiança às duas partes, quer aos senhorios, quer aos inquilinos.

Quem seria responsável por esse seguro?
Há várias modalidades, vários países praticam isto. Pode ser uma despesa repartida entre as partes. Os inquilinos todos já pagam uma espécie de seguro, o mês de caução, que, na prática, serve para dar confiança ao proprietário de que pelo menos um mês não falha. Tinha de ser uma coisa acessível, bastante generalizada, isso é da maior urgência. A outra coisa que é da maior urgência, poderá ser mais difícil mas é fundamental, é a questão do fiador. Continuamos a ter a prática do fiador e é muito difícil, as pessoas não querem ser fiadoras. Há outras soluções, através de fundos de garantia, por exemplo. Com um seguro e com um fundo de garantia, podemos desbloquear estas dificuldades que existem no mercado de habitação.

Que outros pontos são prioritários para o Orçamento do Estado?
Para além da questão da fiscalidade, as outras prioridades que temos são decisões da Assembleia da República que têm de ter repercussão já em 2018. Uma tem a ver com o reforço do Porta 65 Jovem. É o único programa que temos de subsídio ao arrendamento, que em Portugal só existe para os jovens. Devia ser alargado, devíamos ter programas de subsídio ao arrendamento que não fossem só para os jovens. A esse nível, vamos ver o que vai sair, mas já há uma lei, aprovada no final da sessão legislativa, para reforçar, no Orçamento de 2018, o Porta 65 Jovem.
O terceiro ponto também tem a ver com uma deliberação da Assembleia por unanimidade. Temos de voltar a ter programas nacionais de realojamento. A questão do realojamento das famílias com grandes carências habitacionais não pode ser uma questão de que o Estado se demita e, desde 2009/2010, deixou de haver qualquer espécie de verba para programas de realojamento. Não pode ser. Precisamos de ter um programa de realojamento contínuo e tem de haver alguma verba no Orçamento do Estado para isto. Pode ser um programa feito em colaboração com as autarquias, mas não podem ser as autarquias a aguentarem sozinhas esse encargo. O Estado tem de ter aqui uma quota-parte. Não sei até onde é que a secretária de Estado vai conseguir ir, sei que ela é muito batalhadora e que está de certeza a lutar pelos máximos que puder.

Qual é a verba disponível para resolver as questões da habitação?
Não faço ideia. Tenho a certeza absoluta de que ela está a lutar com unhas e dentes para conseguir que seja o máximo possível. Tem uma coisa a desfavor dela: o passado deste Governo com novas pastas não é brilhante. São sempre concedidas verbas baixinhas. Defender junto das Finanças um acréscimo substancial de um ano para o outro não é fácil, tem de ter o peso político do próprio primeiro-ministro, mas espero que o consiga.

Ou seja, estas são as medidas que quer ver no Orçamento do Estado. De uma perspetiva realista, podemos esperar vê-las?
Estas têm de estar. Têm de entrar já, nem que seja um sinal. Um programa nacional de realojamento não se faz num ano. Lança-se e depois tem de se alimentar. Ainda se está, neste momento, a fazer o levantamento das carências a nível do país todo. Já fizemos uma vez um programa desses, em 1993, chamado Programa Especial de Realojamento (PER), para a erradicação das barracas. Com o PER, foi feito o levantamento das barracas que havia e não se acompanhou a evolução. É claro que, entretanto, há mais famílias, a vida não parou, as migrações para Portugal não pararam. Não pode ser um programa estanque, há sempre necessidades de realojamento. Na Área Metropolitana de Lisboa, temos situações gravíssimas de pessoas que já chegaram cá depois desse programa de 1993 e que não foram integradas, ou de aglomerados urbanos que se foram construindo e que não foram reconhecidos. O caso mais emblemático é a Cova da Moura, mas não há só uma Cova da Moura, há muitos bairros e temos de olhar para isto com cabeça e incluir esta gente toda no direito à cidade.

E a secretária de Estado está aberta a estas propostas?
Tivemos apenas uma conversa preliminar sobre o Orçamento, mas nada daquilo está fechado. As coisas estão a ser trabalhadas, mas temos de ver quais são as limitações que há e o que é que conseguimos concretizar.

Há uma outra proposta, apresentada pela Comissão de Acompanhamento do Mercado de Arrendamento Urbano (CAMAU), para a isenção de IMI para os proprietários que pratiquem rendas acessíveis. É exequível?
Temos de cruzar isso com as competências das autarquias, porque são as autarquias que definem a taxa de IMI. É perfeitamente exequível, mas fica na competência das câmaras e das assembleias municipais. É uma proposta que faz sentido, mas também faz sentido as autarquias saberem até onde é que podem ir. Por exemplo, na região de Lisboa, já não temos acesso aos fundos comunitários, portanto, é preciso manter os equilíbrios financeiros. No caso concreto da cidade de Lisboa, já praticamos a taxa mais baixa de IMI, mas não sei se o Estado não poderia prever que ainda se pudesse ir mais abaixo.
Mas, nos benefícios fiscais, temos de inovar, temos de rever os benefícios fiscais que temos dado. No caso de Lisboa, temos dado muitos benefícios fiscais à reabilitação urbana independentemente de saber se a reabilitação urbana é para arrendamento, para habitação permanente, para preços acessíveis. Não se têm cruzado esses dados. Com o novo mandato e com o novo Orçamento do Estado, vai ser preciso fazer essa revisão e ser mais seletivo na concessão de benefícios, dirigir os benefícios fiscais para aquilo que é preciso.

Privilegiar a reabilitação para habitação?
Sim. Os benefícios fiscais em Lisboa, e em muitos outros sítios, derivam do tempo do ex-secretário de Estado João Ferrão. Na altura, ele batalhou para conseguir o estatuto de benefícios fiscais para reabilitação urbana, porque não havia verba para a reabilitação urbana. Estamos a falar de 2006/2007. A reabilitação urbana não se fazia, as cidades tinham prédios a cair, era um outro cenário. Hoje, o cenário não é esse. O cenário já não é tanto de contraciclo, é mais de regulação. O mercado imobiliário e o turístico, que são globais, fazem cada vez mais pressão sobre as cidades, até porque há ferramentas novas. As plataformas de aluguer e as plataformas de divulgação e captação de investimento são globais, não são regionais nem nacionais. Portanto, temos de ter mecanismos de controlo. Os benefícios fiscais têm de ser revistos e direcionados para aquilo que nós pretendemos como prioritário: aumentar o mercado de arrendamento e aumentá-lo com rendas acessíveis e contratos de longa duração.

O que são rendas acessíveis?
Em Lisboa, consideramos entre 200 e 400 euros, entre o T0 e o T3. Pode ser um pouco mais e um pouco menos, depende do sítio da cidade. Há duas maneiras de fazer as contas à renda acessível. Ou vamos ver quais são as mais baixas que estão no mercado, descontamos-lhe um bocadinho e dizemos que 30% abaixo desse preço é acessível, ou calculamos com base no que as pessoas ganham e fixamos o preço num máximo de 40% do salário.

Abaixo de 30% dos preços de mercado não é acessível para muita gente.
Não é nada acessível. Do nosso ponto de vista, a definição tem de ser em função dos rendimentos médios. O custo com a habitação não deve ultrapassar os 40% do rendimento familiar. Este é o conceito europeu: quando a taxa de esforço é superior a 40%, considera-se que há uma sobrecarga. Isto tem de ser ajustado local e regionalmente, não é tudo igual. Sendo que, naturalmente, as famílias que estão abaixo dessa média devem ter rendas sociais, em função do seu rendimento. Em Lisboa, temos 20 e tal mil famílias com renda social, fala-se pouco disso, diz-se que não há habitação social. Lisboa construiu muito e tem mais de 20 mil fogos em renda social.

Qual tem sido a evolução das rendas sociais?
Cada vez recebemos menos rendas. A Câmara de Lisboa recebia 20 e tal a 30 milhões de euros em rendas por ano. Nos últimos anos, tem perdido três, quatro ou cinco milhões de euros por ano, devido a pedidos de revisão de renda feitos pelas famílias que perdem rendimento. O choque de rendimentos foi muito grande e sentimos isso imediatamente. Para essas famílias, o objetivo, para além de continuar a praticar rendas sociais, é saber se as famílias conseguem ter rendimentos mais altos altos.

Taxa turística pode pagar renda acessível? “Constitucionalmente, em princípio não”


A taxa turística é cobrada por um serviço prestado aos turistas e, por isso, Helena Roseta entende que não pode financiar rendas acessíveis. Mas reconhece que a sua gestão pode ser mais transparente.
O turismo é tido como um dos grandes culpados pela escassez de casas disponíveis para arrendamento de longa duração e a preços acessíveis para a maioria da população. A imposição de limites ao alojamento local, o exercício do direito de preferência sobre imóveis por parte das câmaras municipais e a construção de bases estatísticas mais sólidas, que permitam conhecer as reais necessidades do mercado da habitação, são algumas das medidas em que Governo e autarquias devem trabalhar para responder a esse problema.
Em entrevista ao ECO, Helena Roseta, deputada do PS e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, que coordena o grupo de trabalho parlamentar sobre habitação, reabilitação urbana e políticas de cidades, reconhece que já devia ter sido feito mais neste campo, mas garante que essa será uma prioridade para o próximo mandato.

Faz sentido as receitas provenientes da taxa turística financiarem rendas acessíveis?
Constitucionalmente, em princípio não. Um imposto é uma coisa geral que todos têm de pagar de acordo com as várias categorias do imposto. A taxa é um preço que se paga por um serviço que se presta. Portanto, é relativamente difícil dizer que a taxa turística vai pagar habitação acessível porque a habitação acessível não é um serviço prestado aos turistas. É por isso que a taxa turística de Lisboa tem sido utilizada para fechar obras do interesse dos turistas, criar mais museus, criar espaços de interesse, novas centralidades, coisas que estão ligadas ao turismo ou que podem constituir atrações para o turismo.

Não tem razão quem critica a gestão que é feita das receitas da taxa turística?
A grande crítica que fazem em relação à gestão é que isto é gerido pela Associação de Turismo de Lisboa ATL e não é gerido para Câmara Municipal de Lisboa. Não vejo muita razão de crítica aí, porque a ATL tem de prestar contas. As contas não são votadas na Assembleia Municipal, mas é sempre dado conhecimento, os investimentos que a taxa turística paga têm de estar no orçamento municipal. A Assembleia Municipal tem de aprovar aqueles investimentos. Portanto, se aquilo é desenvolvido através da ATL ou se é desenvolvido através de um serviço da Câmara, para mim não faz diferença nenhuma, desde que a decisão sobre cada um dos investimentos passe pela Assembleia Municipal, e isso acontece. Sem embargo de, evidentemente, podermos tornar mais transparente o processo da seleção de quais são os investimentos a fazer.

Não é transparente atualmente?
Não é muito, porque é feito no seio da ATL, portanto, quando chega à Câmara, já é uma proposta que vem da associação. Pode ser mais aberto, podemos pôr as propostas em discussão pública, aí podemos melhorar. E a Assembleia Municipal, enquanto eu lá estiver, será sempre uma assembleia para fiscalizar, quanto mais pudermos tornar transparente e escrutinar, melhor.

Outra proposta em cima da mesa é a limitação do alojamento local, através da imposição de quotas. Como é que isso vai funcionar?
Há várias soluções, algumas cidades têm encontrado outras soluções. No nosso caso, nem sequer há possibilidade de os municípios imporem essas quotas, porque o alojamento local carece de um registo feito através da legislação sobre o alojamento local, que é da tutela do turismo, e os municípios apenas tomam conhecimento, não é pedida licença ao município para fazer alojamento local. Em termos municipais, uma habitação tanto pode servir para habitação permanente como para alojamento local, continua a ser uso habitacional. O município não interfere.

Mas pode ser mudada a lei.
Essa é uma das proposta que fazemos, que seja o município a autorizar que determinado espaço possa ser colocado em alojamento local. Conjugado com isto, que o município possa, em certas zonas da cidade, mediante uma deliberação do município e da Assembleia Municipal, definir limites máximos para o alojamento local ou limites mínimos para a habitação. Temos de considerar um vetor fundamental: quantos, dos edifícios e fogos disponíveis em determinada freguesia, estão devolutos. Essa monitorização dos devolutos também é fundamental. A Associação de Alojamento Local diz que os proprietários só usam os fogos que estavam vazios e não estavam a servir para nada, mas isso não é monitorizado pela câmara. Quando a Câmara autoriza uma reabilitação, não faz a menor ideia do que é que vai acontecer depois.

Isso vai ser alterado?
Tem de ser. Quando uma pessoa vai pedir uma licença de uso para habitação de um determinado espaço que teve obras ou foi reabilitado, pode dizer que é para habitação, mas, depois, a Câmara não tem qualquer poder para saber que tipo de habitação vai ser, se é para o próprio, para arrendamento, para alojamento local, a pessoa faz o que quer.

Não há estatísticas?
São muito fraquinhas, porque, como não é preciso pedir licença, quem é que vai declarar? Há um ponto importante em que a Câmara Municipal de Lisboa trabalhou bem. Conseguimos negociar com o Airbnb para que a taxa turística seja paga diretamente pela empresa. Se não tiverem a taxa turística paga, os alojamentos não podem registar-se na plataforma. Por aí, conseguimos estatística, porque sabemos quantos é que estão nesta plataforma, mas faltam os outros. É preciso mais trabalho.

Não devia já ter sido feito? O Governo e as câmaras não deviam já ter imposto um travão a certo tipo de reabilitação que acabou por contribuir para a especulação imobiliária?
São os efeitos desfasados no tempo. A aposta na reabilitação foi feita numa altura em que o mercado da habitação estava completamente parado. Agora, como o mercado aquece loucamente, estamos a receber a consequência da aposta que se fez há anos. Mas sem dúvida que estamos muito mal de estatística, põe o dedo na ferida de uma questão muito importante. O grande instrumento regulador é a informação e a informação estatística que temos sobre imobiliário em Portugal, em geral, é privada. As plataformas que fazem a análise da oferta e da procura, através dos anúncios de compra, venda e arrendamento, fazem a estatística pelos valores que aparecem na oferta. Muitas vezes, não são esses os valores de concretização. Onde é que está a informação certa? Na compra e venda, as câmara têm essa informação e deviam organizar bases de dados, a de Lisboa e as outras todas, em colaboração com a Autoridade Tributária, para pôr a informação cá fora.
Há outro momento em que temos a informação. Os municípios todos têm direito de preferência quando há transações de compra e venda. Portanto, recebem a informação quando há uma transação. Essa informação, bem trabalhada e articulada com a Autoridade Tributária, que por sua vez tem as declarações dos contratos de arrendamento e dos impostos por mais valias, permitiria construir bases de dados.

A questão do direito de preferência tem sido outra das críticas ao travão que a Câmara poderia impor, e não impõe, à especulação imobiliária.
Mas a Câmara exerce esse direito muitas vezes.

Tantas quanto deveria?
Esse é o problema.

Quantas vezes é que a Câmara exerceu direito de preferência este ano?
Não sei dizer. Mas a Câmara exerce o direito de preferência muitas vezes, quando lhe interessa comprar. Neste momento, por exemplo, estamos num litígio com o caso da Vila Dias, no Beato, que passou de mãos, não se sabe exatamente porquê. Queríamos exercer o direito de preferência e nem sequer fomos informados da transação, portanto, pusemos uma ação em tribunal para poder exercer o direito.

Isso acontece muito? Não serem informados e nem sequer chegarem a exercer o direito de preferência?
Todas as transações, no geral, aparecem, mas a Câmara só tem dez dias para se pronunciar. Ou já tem definido o que é que quer e exerce imediatamente o direito, ou a própria lentidão da análise do processo não é compatível com os dez dias. A coisa não é ágil. Por isso é que era preciso ter boas bases de dados e ter uma estratégia de gestão patrimonial em que, à partida, a Câmara já tivesse definidos os sítios onde está interessada em comprar para poder ir a jogo e influenciar o mercado. A política de gestão patrimonial da Câmara tem de se adequar à capacidade de continuarmos a ter boas reservas nossas para podermos ter influência no mercado. Não sou fundamentalista a ponto de dizer que a Câmara não pode vender, acho que pode e deve vender quando lhe convier.

E vendeu muito?
Menos do que comprou.

Quanto é que ganhou com vendas?
Está tudo nas contas. Mas o importante não é só saber se vendeu mais ou comprou mais, pode haver anos em que se gaste mais a comprar e depois, durante vários anos, não se compra. O ponto é saber se temos reserva suficiente para as coisas que queremos fazer, ou se queremos aumentar a reserva para a área da habitação, para equipamentos escolares, ou para o que for, e se dispomos desses terrenos. Isso vai ser trabalho do próximo mandato, e temos isso no programa do atual Governo. Vai ser, certamente, uma prioridade.

Outro problema estatístico é o cálculo das pessoas que foram desalojadas dos bairros onde o turismo tem mais expressão.
É muito difícil fazer esse cálculo. Podemos ir à nascente da questão. Os censos do Instituto Nacional de Estatística são feitos de dez em dez anos. Para a evolução vertiginosa que estamos a ter, por exemplo nos centros de Lisboa e Porto, em dez anos temos outra cidade. Temos de encontrar formas expeditas para percebermos a rapidez com que as coisas estão a acontecer.
Temos outro efeito terrível. Muitas pessoas saíram porque os prédios foram vendidos. A legislação sobre obras em prédios arrendados foi alterada para que, quando há uma mudança de mãos ou quando há um pedido de obras, seja obrigatório informar a Câmara sobre se há lá pessoas com contratos de arrendamento. E a Câmara pode condicionar o processo, pode obrigar a uma percentagem de continuação de arrendamento. Também foram importantes as alterações à legislação sobre as lojas históricas. Lojas, coletividades, entidades classificadas de interesse municipal não podem ser desalojadas de jeito nenhum e o município, aí, tem de intervir. Obrigatória e compulsivamente, tem de intervir.

Mas também houve muitos edifícios históricos que, com o aval da Câmara, foram transformados e descaracterizados.
Claro que sim, por isso é que se alterou a lei. Foi o município de Lisboa que lançou o programa das lojas históricas, porque percebeu que isto era uma coisa que já estava a afetar não só a loja a, b ou c, mas o caráter da própria cidade. É uma questão de interesse público, de salvar aquilo que é único em cada cidade. Sem isso, a cidade perde caráter.

Entrevista conduzida por Rafaela Burd Relvas
Foto de Paula Nunes