Helena Roseta
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Segurança Social investiu 7,1 milhões em fundo que não fez uma única obra
21-07-2020 Luísa Pinto, Público

Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado foi criado há quatro anos com o objectivo de requalificar património do Estado e criar habitação a preços acessíveis. Governo autorizou que Fundo de Estabilização da Segurança Social investisse até 1400 milhões de euros. Quatro anos depois, a Fundiestamo não fez obras num único fogo.

O investimento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) no instrumento público criado pelo Governo para fazer a reabilitação de imóveis devolutos do Estado para serem colocados no mercado do arrendamento acessível foi, até agora, de 7,1 milhões de euros.

O Governo autorizou que o FEFSS investisse, numa década, até 1400 milhões de euros no Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), e todos os anos, desde 2017, disponibiliza na lei do Orçamento do Estado uma autorização de transferência de 50 milhões de euros.

Mas as obras ainda não começaram em nenhum dos imóveis que foram identificados para integrar este fundo, e, passados quatro anos desde a criação do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, ainda não há data para pôr os primeiros alojamentos no mercado.

A Fundiestamo, à qual compete a gestão deste fundo, diz que a demora nas concretizações é “compreensível”, não só porque as obras são complexas, como, ainda antes disso, é necessário proceder a um “conjunto de procedimentos morosos”, como, por exemplo, visto do Tribunal de Contas, alterações ao Plano Director Municipal (com passagem de equipamento — como quartéis e hospitais — para uso habitacional) e aprovação pelo município de pedidos de informação prévia (PIP).

A Fundiestamo recorda, aliás, que o regulamento de gestão do Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado foi aprovado pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) em Agosto de 2018, e somente após essa data o FNRE está autorizado a operar. “Desde então, foram sinalizados como disponíveis para potencial integração no FNRE, por parte do Estado, autarquias locais e outras entidades públicas ou do terceiro sector, um total de 780 imóveis, que já foram alvo de uma avaliação preliminar, tendo cerca de 170 sido considerados como potencialmente viáveis”, esclarece a Fundiestamo.

Mas, ainda que nas respostas dadas ao pedido de esclarecimento enviado ao PÚBLICO não se refira essa razão como um dos motivos para que não haja ainda obras em curso, também é verdade que o modelo de negócio que tem vindo a ser estudado (e que obriga a uma rendibilidade anual de 4% para os subscritores de fundo) se mostrou como economicamente inviável para o avanço das obras.

Numa circular que endereçou em Março aos cerca de 200 profissionais que integram a bolsa de projectistas por si criada — e a quem pretende recorrer para avançar com as obras — o administrador executivo da Fundiestamo, Eduardo Santos Júlio, que tem a gestão do FNRE, avisava que vai ser preciso avançar com uma novo regulamento de gestão e começar praticamente do zero com uma boa parte dos processos.

Filipa Roseta, deputada do PSD, que era vereadora na Câmara de Cascais quando ouviu falar deste fundo pela primeira vez, tem recorrentemente feito perguntas sobre o tema na Assembleia da República, questionando não só a viabilidade do fundo propriamente dito, mas também o processo com que pretende levar as obras ao terreno, à margem do Código dos Contratos Públicos (lançou antes um procedimento de qualificação prévia para criar uma bolsa de projectistas). E questiona: “Mas esses 7,1 milhões de euros foram gastos em quê? Quatro anos depois não há nada para apresentar.”

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Fundos de subfundos


O FNRE é um fundo de subfundos de investimento imobiliário e desde sempre defendeu-se que a aplicação de dinheiro da Segurança Social neste tipo de investimento se restringiria a operações que garantissem uma liquidez igual ou superior ao valor das obras e uma rendibilidade anual líquida superior ou igual a 4% — ou seja, a operação não só teria de pagar o investimento necessário para financiar o projecto e as obras de reabilitação, como garantir uma rentabilidade de 4%.

A sociedade que gere o FNRE resiste em comprometer-se com datas e limita-se a avançar agora com a perspectiva de disponibilizar cerca de 170 imóveis em arrendamento, “daí resultando aproximadamente 890 fogos habitacionais e 2500 camas para estudantes” até ao final da actual legislatura. A actual legislatura começou em Outubro de 2019, pelo que têm ainda mais de três anos para atingir estes objectivos de colocar no mercado fogos com rendas acessíveis.

Há apenas actualmente seis subfundos cuja constituição foi autorizada pela CMVM. Três deles já foram constituídos (Imo-Madalena, Imo-Aveiro, Imo-Residências) e os restantes três ainda estão em fase de subscrição (Imo-Casa Pia, Imo-Coimbra, Imo-Estamo).

Entre os fundos já constituídos, só aquele que se refere a um imóvel situado na Rua dos Combatentes, em Aveiro (Imo-Aveiro), é que tem o projecto já licenciado pela câmara municipal.

Mas muitos outros ficaram pelo caminho — ou estão, pelo menos, à procura de “abordagens alternativas”, depois de se ter concluído que os modelos de negócio iniciais não eram viáveis.

A Fundiestamo assume isso mesmo no relatório e contas de 2019, em que afirma ter classificado as operações Imo-Viriato, Imo-Aveiro, Imo-Trás-os-Montes, Imo-Oliveira de Azeméis e Imo-Universidade de Évora como economicamente “inviáveis”, pelo que está à procura de um modelo de negócio alternativo.

O PÚBLICO perguntou que novo modelo de negócio está agora a ser estudado, mas ficou sem resposta. Mas ele já está pensado e, presentemente, em negociação, como se pode ler na já referida circular que a Fundiestamo enviou à bolsa de projectistas.

Nessa circular, a que o PÚBLICO teve acesso, a Fundiestamo explica: “A maioria dos imóveis (estudados) apresentam um fraco estado de conservação, (pelo que) a elaboração dos planos de negócio veio a revelar que a larga maioria das operações não é viável, seja por não se atingir o valor necessário para as obras, seja por não ser expectável atingir a rentabilidade anual líquida de 4% exigida pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), o participante em capital.”

Assim, a gestora do fundo já “desenhou um novo modelo financeiro, estando presentemente em negociação, no sentido de se proceder a alterações ao regulamento de gestão e, assim, viabilizar um número muito significativo de operações que, actualmente, o não são”. Paralelamente, “a Fundiestamo está a refazer todos os planos de negócio que se revelaram inviáveis, de forma a proceder à constituição dos novos subfundos, mal o novo regulamento de gestão entre em vigor”.