Helena Roseta
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Moratória dos créditos depois de Setembro ainda não está garantida
25-05-2020 Rosa Soares, Público

Famílias e empresas devem acautelar acesso à suspensão de crédito até 30 Junho, porque a extensão deste prazo também não está assegurada. Estado pode ter que criar medidas extraordinárias para apoiar endividados, segundo alerta a Deco.

Há milhares de famílias que não conseguirão retomar o pagamento dos empréstimos da casa a partir de Outubro, e, “se as moratórias dos créditos não forem prolongadas, ou o Governo ou a Assembleia da República terão de criar outras medidas extraordinárias para as apoiar”.

Esta é a convicção de Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da Deco, que diariamente toma conhecimento de centenas de particulares em dificuldades financeiras, por se encontrarem em situação de layoff, desemprego ou por não lhes terem sido pagos os salários, e que olha, “com muita preocupação, para o número de adesões às moratórias de crédito”, que envolveram perto de 570 mil contratos, até final de Abril, de acordo com dados divulgados na semana passada pelo Banco de Portugal (BdP).

A forte quebra de rendimentos de particulares e a paragem ou redução de actividade de muitas empresas levam a coordenadora do GAF a defender que “a recuperação de rendimentos vai demorar meses”, enquanto algumas medidas, como as moratórias dos créditos, “têm uma duração muito curta”, uma situação que está a criar “uma angústia muito grande nos consumidores”.

O alerta de Natália Nunes, que também já foi feito pelo Banco de Portugal e pelos responsáveis de alguns bancos, vai para o prazo limite para pedir adesão às moratórias, 30 de Junho, e a sua duração, até 30 de Setembro. Uma situação que também se aplica à moratória para créditos de empresas.

Em relação à primeira data, Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês), admitiu, nas orientações que criou para as moratórias públicas e privadas no contexto da pandemia covid-19 (EBA/GL/2020/02), que o prazo até 30 de Junho poderia ser alargado, mas ainda nada foi decidido nesse sentido, uma situação a ter em conta para quem ainda está a ponderar essa possibilidade. Sobre a duração ou a extensão temporal das moratórias, nada está decidido pela entidade europeia para o sector bancário.

No plano nacional, a duração das medidas que permitem a suspensão total das prestações (capital e juros) ou parcialmente (apenas capital), com extensão do prazo do contrato pelo mesmo número de meses, está fixado na moratória pública, criada pelo Decreto-Lei 10-J/2020, para créditos a empresas e para o crédito à habitação própria e permanente de particulares. O diploma apenas fixou a duração da medida em seis meses, de Abril a Setembro.

Também as moratórias privadas para o crédito à habitação estão ancoradas no mesmo decreto-lei do Governo, terminando a 30 de Setembro. O site da Associação Portuguesa de Bancos refere, a propósito da moratória para o crédito à habitação, que a sua duração é “até 30 de Setembro de 2020 ou, se superior, até ao termo do prazo de vigência do Decreto-Lei 10-J/2020”.

Com um prazo mais alargado, existe apenas a moratória dos bancos para o crédito ao consumo, que exclui cartões de crédito, que tem a duração de 12 meses, embora o prazo limite de adesão também termine a 30 de Setembro.

As moratórias, que no caso da pública é de aplicação obrigatória pelos bancos quando se verificarem determinados critérios – como a quebra directa de rendimentos na sequência da pandemia de covid-19 –, permitem evitar a classificação de crédito “em incumprimento” ou “em reestruturação”, categorização que tem impacto no “cadastro” dos clientes e no capital dos bancos. O número de empréstimos de particulares abrangidos pelas moratórias superava 330 mil, 64% do total verificado em Abril, com a grande maioria a envolver crédito à habitação.

A preocupação com a limitação temporal das moratórias está patente nas declarações recentes dos presidentes dos maiores bancos, que têm manifestado a necessidade e disponibilidade para as alagar essas medidas, em pelo menos um ano. É o caso do presidente da Caixa Geral de Depósitos, que recentemente apontou para a disponibilidade do banco público para uma extensão de seis a 12 meses.

No entanto, a maior chamada de atenção veio do governador do Banco de Portugal (BdP), ao defender uma prorrogação “tão longa quanto possível”.

“A presente moratória tem duração de seis meses. Terá de ser equacionada a duração dessa moratória e eu diria uma extensão tão longa quanto possível”, afirmou o governador do Banco de Portugal, citado pela Lusa, no âmbito de uma audição parlamentar. Carlos Costa acrescentou ainda que “essa decisão terá de ser tomada em tempo útil, para que os créditos objecto da moratória não caiam numa classificação que indicie incumprimento, sob pena de penalizar o capital dos bancos”.

Reestruturação extraordinária de créditos



A coordenadora do Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da Deco, que no primeiro mês do estado de emergência recebeu 3600 pedidos de ajuda, entende que a extensão das moratórias é o cenário mais favorável para clientes e banco.

Mas se isso não acontecer, defende que terão de ser “criadas medidas extraordinárias ou excepcionais para as famílias que não conseguem pagar os seus empréstimos”, por parte do Governo ou da Assembleia da República. À semelhança, recorda, do que aconteceu em 2012, durante o período de ajuda externa, com a Lei 58/2012, que criou um regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil.

Mas há outras soluções que poderão ser equacionadas, como a prestação de garantia pública sobre uma parte da carteira de crédito, de forma um pouco semelhante ao que o Estado fez para “garantir” o acesso das empresas às linhas de financiamento criadas no âmbito da pandemia de covid-19.

Uma medida desse género resolveria o problema dos particulares e empresas, e dos bancos, que não podem suportar um súbito aumento do crédito malparado. As taxas negativas a que vários bancos conseguem levantar financiamento junto do Banco Central Europeu também lhes dão uma “folga” no refinanciamento do crédito que, entretanto, não estaria a ser reembolsado.

No caso da legislação aprovada na Assembleia da República, a Lei 58/2012, os bancos foram obrigados a aceitar reestruturação dos empréstimos da casa, o que poderia incluir a criação de períodos de carência (o não pagamento de capital e juros, como acontece nas actuais moratórias), o alargamento dos prazos dos contratos, a redução da taxa de juro (na componente do spread), ou mesmo a entrega do imóvel ao banco em dação em pagamento (para anular a dívida). A negociação do contrato entre cliente e entidade financeira é sempre possível, mas é mais difícil.

Apesar da elevada taxa de desemprego verificada nos tempos da troika, o número de particulares que beneficiou do regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação foi reduzido, porque os critérios eram muito restritivos. A Lei 58/2012 sofreu algumas alterações, com vista a alargar o universo dos potenciais beneficiários, através do aumento do montante dos empréstimos/valor dos imóveis, entre outros aspectos, mais ainda assim deixou de fora uma boa parte dos devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil.