Helena Roseta
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Luz verde do BCE acelera suspensão dos pagamentos no crédito à habitação
22-03-2020 Cristina Ferreira e Pedro Ferreira Esteves, com Marta Moitinho Oliveira, Público on.line, 6:30

Governo e banca continuam a negociar as condições de uma eventual suspensão do pagamento de prestações nos empréstimos para a casa pelos clientes afectados pelos efeitos económicos da covid-19. Decisão do BCE veio acelerar a criação de uma solução que já está disponível em Espanha.

Em Espanha, os clientes com créditos à habitação já podem pedir nos sites dos seus bancos o apoio criado pelo governo espanhol para quem tiver sido afectado pelo fecho de empresas ou despedimentos provocados pela propagação do surto do novo coronavírus. Uma iniciativa que segue o exemplo de Itália e que, em Portugal, já foi prometida até ao final deste mês pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. Em cima da mesa está a suspensão do pagamento da prestação. E, depois do apoio do Banco Central Europeu, só falta desenhar uma medida que a banca exige que não belisque a sua solidez.

Segundo apurou o PÚBLICO, as negociações continuaram durante este fim-de-semana, já depois de três anúncios de pacotes de medidas de apoio às famílias e às empresas feitos pelo Governo desde que começou a crise de saúde pública em curso. Em nenhum dos três momentos foi anunciada a moratória dos juros ou a carência do capital ou, como em Espanha, a total suspensão das prestações.

Confrontado repetidamente com esta questão, o primeiro-ministro tem vindo a lançar alguns alertas públicos à banca, nomeadamente, que é “do interesse dos bancos” que sejam criadas condições para que as pessoas possam pagar os empréstimos, incentivando os bancos a usarem as ajudas do Banco Central Europeu (BCE) para o fazerem, de forma a evitar incumprimentos futuros nos pagamentos das prestações do crédito à habitação.

Estas ajudas do BCE ganharam maior força na sexta-feira e desbloquearam mesmo o impasse que as negociações atravessavam nos últimos dias, embora não a tempo de incluir a medida no mais recente pacote divulgado após o Conselho de Ministros da última sexta-feira, onde a solução foi discutida.

Em linhas gerais, os bancos estão disponíveis para possibilitar aos clientes particulares cumpridores com créditos à habitação suspenderem as suas prestações, se já tiverem sofrido danos económicos com a actual crise de covid-19, mas desde que tenham a garantia do Governo de que, durante o período da moratória, as falhas de pagamento dos clientes afectados não são consideradas como situações de incumprimento. E que os bancos não as terão de registar como crédito malparado (NPL-Non Performing Loans), com efeitos nas provisões e nos rácios da actividade. Para isso estão a requerer que o executivo que lhes dê garantias, não necessariamente financeiras, mas jurídicas e políticas.

É neste contexto que o posicionamento das autoridades europeias ganha maior relevo. No início de Março, o BCE veio dizer que o sector possuía amplitude para agir nas actuais circunstâncias e reforçou os instrumentos monetários (de liquidez). Numa segunda fase, deu maior abertura em termos de rácios, nomeadamente, de capital (flexibilizou exigências de solidez). E na sexta-feira passada, abriu a porta ao aceitar, em conjunto com a Comissão Europeia, que cada país possa apoiar a economia e definir processos de moratória e de reagendamento de pagamento de prestações e de juros, aumentando os prazos dos empréstimos. Isto, desde que cada país faça o enquadramento legal das medidas, sem forçar os bancos a reconhecer estes créditos como perdas nas contas e assegurando algum tipo de garantia do Estado. Precisamente o que querem os bancos.

O que se está à espera agora é que o Governo desenhe e aprove a legislação a definir as linhas gerais da moratória, dando margem de manobra a que cada um actue de acordo com o que considera ser o mais eficiente no seu caso, também para garantir autonomia comercial aos bancos, na ressaca da condenação recente da Autoridade da Concorrência de vários bancos pela prática de cartelização do mercado.

Entre os temas em cima da mesa estão a duração da medida (pode ser de um mês, como em Espanha, ou até ao final do ano), se abrange uma simples moratória de juros, uma carência de capital ou a suspensão integral do pagamento, ou ainda se será accionada pelo cliente ou dirigida a todos os clientes dentro de um universo específico (entre prazo, taxa de esforço, rendimento ou risco/garantia).

Em cima da mesa também está a extensão desta medida a algum tipo de crédito particular, em especial no crédito automóvel. O crédito ao consumo será mais difícil de incluir, pelo nível de risco e prazo associados. Ainda assim, nestas negociações a prioridade continua a ser apoiar as empresas, que já têm várias medidas ao seu dispor, entre elas um conjunto de linhas de crédito com condições facilitadas. Mas a suspensão das prestações também deverá estender-se aos clientes empresariais, nomeadamente com duas medidas ambiciosas: a moratória e uma garantia pública que cubra 50% do crédito em falta.

O Governo está a articular com a Associação Portuguesa de Bancos, que tem feito a ponte com o Banco de Portugal e em particular com o BCE, a quem escreveu uma carta pedindo precisamente o passo que foi dado na sexta-feira. O objectivo é chegar a uma solução o mais consensual possível.

Em Espanha, a medida que já está disponível para os clientes destina-se aos trabalhadores que ficaram sem emprego nos últimos dias ou empresários com perdas significativas, desde que a taxa de esforço fique acima do rendimento líquido do agregado familiar. Ou nos casos em que a taxa de esforço disparou (multiplicando-se por 1,3 vezes) ou, no caso do empresário, as vendas da empresa tenham recuado em 40%. Na solução espanhola – cujo alcance motivou algumas tensões no seio do executivo de Madrid e que acabou por proteger os bancos de um eventual impacto na sua solidez -, existe um tecto de rendimentos para aceder a esta medida, que ronda os 2000 euros, conforme a constituição do agregado familiar.