Helena Roseta
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Lei de bases da habitação
O que muda na nova versão do PS?
28-04-2019

No dia 26 de abril de 2019 o Grupo Parlamentar do PS apresentou uma nova redacção do projecto de lei 843/XIII, reformulando o texto inicial, reestruturado segundo os grandes temas em causa, simplificado na sua redacção e com alterações nalgumas disposições mais criticadas. Foi tido em conta o resultado das audições e dos contributos recebidos. O objectivo é que o resultado possa ser politicamente mais abrangente e tecnicamente mais consistente.

Principais alterações na nova versão do pjl 843/XIII (PS)

Função social da habitação e requisição de fogos devolutos

Clarificou-se o âmbito da Lei de Bases – para todas as pessoas e suas famílias e em todo o território nacional - e redefiniu-se a “função social da habitação” como o seu uso efetivo, quer se trate de habitação pública quer privada. O uso efetivo é explicitado em artigo próprio, que inclui o conceito de habitação devoluta, salvaguardando que as segundas habitações, as casas de emigrantes e as situações pendentes de decisão judicial não são consideradas devolutas.

O mecanismo da requisição de fogos privados devolutos foi retirado do diploma, face às inúmeras dúvidas que suscitou, inclusive de constitucionalidade, mas manteve-se a possibilidade de requisição de património público devoluto. Recorde-se que a lei portuguesa já permite a intervenção pública em fogos devolutos, nomeadamente através da posse administrativa para realização de obras, bem como do arrendamento ou venda forçada, no âmbito do regime jurídico da reabilitação urbana

Eliminou-se ainda o extenso artigo inicial com definições, que melhor se enquadram na legislação geral que numa lei de bases.

Habitação, “habitat” e direitos complementares

Nas definições do direito à habitação e ao “habitat” simplificaram-se as condições da habitação de forma a concretizar o que a CRP exige e formularam-se direitos complementares da habitação, como o direito à morada, cuja redacção foi melhorada, e à protecção da casa de morada de família. Manteve-se a ligação da habitação ao “habitat”, que é uma inovação legislativa, bem como a distinção entre “habitat” rural e urbano, porque a lei de bases da habitação não se dirige apenas às cidades.

Unidades de convivência

O direito à habitação dirige-se a pessoas e famílias, nos termos constitucionais. A lei tem definido o conceito de agregado familiar como o conjunto de pessoas que vivem na mesma habitação e em economia comum, sejam quais forem os laços familiares. Há no entanto cada vez mais pessoas, quer idosos, em residências séniores, quer jovens, em habitações que alugam em comum, a partilhar habitação. Essa é uma realidade que tende a aumentar em função da mobilidade e do aumento da esperança de vida, existindo já inúmeras experiências mais ou menos inovadoras nesse sentido. A nova redacção do pjl 843 explicita o conceito de "unidades de convivência", inspirado nas leis da habitação de várias autonomias espanholas, como sendo o conjunto de pessoas que vivem na mesma habitação mas não têm economia comum nem laços familiares. As unidades de convivência passam a gozar de protecção equivalente à das famílias.

Despejos

No artigo sobre despejos houve particular cuidado, eliminando a proibição de despejos durante o inverno, que não se justifica no nosso clima, e explicitando o que tem de sempre ser salvaguardado pela lei em caso de despejo, seja este de iniciativa pública ou privada, bem como os deveres de apoio público quando as famílias alvo de despejo o foram por razões de carência económica.

Papel do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias

Quanto ao papel do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias, procurou-se respeitar as respectivas atribuições e competências constitucionais e legais. Manteve-se a proposta de a Estratégia Nacional de Habitação ser sujeita a aprovação da Assembleia da República para ter força de lei, tal como já acontece há vários anos com o Programa Nacional da Politica de Ordenamento do Território.

Nos instrumentos da política de habitação, mantiveram-se as quatro grandes categorias de toda e qualquer política pública de habitação, a saber: a promoção pública, que é reforçada nesta nova versão; a fiscalidade, recentemente alterada pela AR mas que não pode ser dissociada dos seus efeitos na habitação; o financiamento público, nas suas diversas modalidades, desde os juros bonificados ao apoio financeiro e aos subsídios de renda; e a regulação, que inclui todo o quadro legal e regulamentar aplicável à habitação. Diferentes governos usarão cada uma destas categorias em diferentes proporções, o que deverão é recorrer aos vários instrumentos com coerência e não como meras medidas avulsas.

Bolsas de Habitação

No âmbito dos recursos da política de habitação substituiu-se o conceito de “fundos de habitação e reabilitação” pelo de “bolsas de habitação”, para não gerar confusão com os fundos imobiliários, que têm um normativo próprio de funcionamento e supervisão. Estas bolsas, a ser constituídas pelas entidades públicas, integram terrenos ou habitações destinadas à política de habitação, mas também as receitas afectas ao desenvolvimento dessa política.

Habitação acessível

No capítulo sobre arrendamento, a principal inovação é a introdução da “habitação acessível”, para além das modalidades de arrendamento que a lei portuguesa consagrou há décadas: a renda livre, a renda apoiada e a renda condicionada. A habitação acessível, entendida como uma modalidade de acesso à habitação em que o valor do arrendamento tem em conta a taxa de esforço da família, é hoje um tema central em toda a Europa e não só, já que um dos efeitos da globalização financeira nos mercados imobiliários tem sido a carestia da habitação para a classe média, que não precisa de habitação social mas não consegue aceder ao mercado livre de habitação.

Acesso à habitação própria, crédito e protecção do consumidor

O projecto inclui um capítulo sobre o acesso a habitação própria. Uma das alterações mais importantes foi a clarificação do que respeita ao crédito à habitação e à protecção do consumidor, incluindo a possibilidade de regimes extraordinários de dação em cumprimento da dívida em casos muito particulares, que têm de estar enquadrados em legislação própria e que pressupõem dois tipos de circunstâncias: contexto macroeconómico penalizador ou especial vulnerabilidade económica da família.
Insere-se aqui a modalidade de acesso à habitação própria através de locação financeira ou de "renda resolúvel", regime legal antigo, cuja última formulação é de 1993, e que implica a transmissão de propriedade ao fim de x anos de pagamento de renda, desde que contratualmente estabelecido.
Finalmente, admite-se a criação de um novo direito real, a habitação duradoura, que não é arrendamento nem acesso à propriedade, mas que permite o uso vitalício de uma habitação mediante contratualização.

Habitação colaborativa

Mantêm-se as garantias de informação, participação, associativismo e tutela de direitos das pessoas, famílias e organizações e acrescenta-se a possibilidade de queixa ao provedor de justiça em caso de violação do direito à habitação. Mantém-se, também, a referência ao sector cooperativo e social, tendo-se introduzido o conceito inovador de “habitação colaborativa”, que está a dar os seus primeiros passos em Portugal, e que implica a co-habitação com serviços comuns e partilhados, como sucede tradicionalmente em Portugal nas repúblicas de estudantes.

Intervenções prioritárias

Nas intervenções prioritárias incluídas no final do diploma, manteve-se a relevância das políticas dirigidas às pessoas em situação de sem-abrigo e às situações de emergência. Reforçaram-se os deveres públicos em matéria de áreas urbanas de génese ilegal e núcleos de habitação precária, mas foi eliminado o artigo que previa o recurso à requisição de habitações devolutas em caso de partilhas sucessórias, pelas dúvidas que essa proposta suscitou.

Dotação orçamental

Nas disposições finais, destaca-se a garantia da concretização progressiva, em Portugal, de um parque habitacional público de dimensão igual ou superior à média europeia, com o correspondente impacto nas dotações orçamentais futuras. Actualmente, apenas 2% da habitação em Portugal é pública, os restantes 98% são privados.