Helena Roseta
facebook
Habitação: já há países que estão a controlar o valor das rendas
11-03-2019 Filomena Lança, Negócios
*

E se a solução para os valores de renda que as famílias não conseguem suportar tiver de passar por colocar um travão nos preços? Há países que o estão a fazer e em vários outros se discutem soluções para um problema que está longe de ser apenas português.

Preços altos, pouca oferta, muita procura. O retrato do mercado do arrendamento em Portugal replica-se um pouco por toda a Europa, com os vários governos em busca de soluções para um problema complexo. Entre as soluções encontradas está o controle de rendas, que vem ganhando adeptos nas situações mais problemáticas. Numa altura em que entra em vigor também em Portugal um conjunto de medidas que visam estimular o arrendamento e fazer baixar o preço das rendas, o Negócios, com a colaboração da sociedade de advogados CMS, com escritórios em diferentes países, foi ver o que está ser feito por essa Europa fora.

Na Alemanha – país onde quase metade da população vive em casas arrendadas –, nas cidades e regiões onde o mercado imobiliário esteja sob grande pressão e com as rendas a subir acima de valores aceitáveis para os orçamentos familiares, as rendas dos novos contratos de arrendamento não podem ficar 10% acima do preço médio praticado na mesma zona geográfica em casas com idênticas características. Esta lei é de 2015 e e está em aplicação em cidades como Berlim ou Munique, com algumas exceções designadamente no caso da nova construção.

A Alemanha não é caso único. Em França a lei permite que em zonas geográficas com mais de 50 mil habitantes e onde as os preços estejam a dificultar o acesso das famílias à habitação possa haver igualmente um controlo de rendas. Estas zonas ou cidades estão expressamente previstas e aí o valor dos novos contratos ou de renovações contratuais não pode exceder o valor anteriormente pedido para a mesma casa, podendo apenas ser revisto com base na evolução do índice oficial de referência do arrendamento.

Paris e Lille chegaram a aplicar uma medida mais apertada, que proibia os proprietários de fixarem, nos primeiros contratos ou nas renovações, rendas 20% acima do preço de referência de cada bairro. Uma lacuna na lei, datada de 2014, acabaria por levar os tribunais a impedir a sua aplicação, mas o governo francês voltou à carga em 2018. Segundo explicam os especialistas da CMS, apesar de o diploma estar ainda em fase final de processo legislativo, a cidade de Paris pretende aplicar este novo regime assim que for possível.

A Irlanda é outro exemplo: em Dublin, os aumentos de rendas não podem ultrapassar os 4%, excecionando-se as habitações novas ou alvo de remodelações profundas. A lei já tem dois anos e, como tem havido estratagemas para a contornar, quem prevaricar arrisca, desde o início deste ano, multas elevadas.

O controlo de rendas é uma opção polémica e não faltam economistas a defender que é a pior possível. Na Alemanha, por exemplo, esta opção não conseguiu resolver o problema e já este ano o Executivo de Angela Merkel anunciou um novo conjunto de medidas, desta vez com um investimento de seis mil milhões de euros na promoção do acesso à habitação, com a construção de 1,5 milhões de casas a preços acessíveis. Avançou também com a criação de benefícios fiscais para os promotores imobiliários que aceitem praticar rendas acessíveis.

Portugal: do congelamento aos incentivos fiscais


Em Portugal, sobretudo em Lisboa e no Porto, o congelamento de rendas dos anos de meados do século passado manteve reflexos ao longo de décadas e ainda hoje é possível encontrar valores muito abaixo do preço de mercado. Porém, apesar de haver ainda regras de proteção aos inquilinos mais idosos e com arrendamentos antigos, a situação mudou muito com a reforma liberal do Governo de Passos Coelho. Já com António Costa, nunca esteve em cima da mesa nenhum tipo de contolo de rendas, optando-se antes por incentivar pela via fiscal os senhorios a aceitar contratos mais longos ou rendas acessíveis. Num caso e no outro, tudo dependerá da vontade dos proprietários.

Aqui ao lado, em Espanha, a situação é idêntica à portuguesa: investimento no turismo, redução da oferta para habitação, rendas em crescendo. Madrid ou Barcelona, mas também zonas turísticas, como Las Palmas, Baleares, Málaga ou Santa Cruz de Tenerife são das mais afetadas e o Governo espanhol acaba de aprovar um diploma que visa a criação de um índice nacional de rendas semelhante àquele que, em Portugal, passou a ser elaborado semestralmente pelo Instituto Nacional de Estatísticas. A ideia é que possa servir para que as comunidades autónomas que assim o pretendam possam avançar com medidas fiscais, nomeadamente incentivos para preços mais baixos. Isso já acontece, aliás, na Catalunha e na Comunidade Valenciana. A ideia era ir mais longe e fixar preços nas zonas de maior tensão de mercado. Chegou mesmo a haver um acordo nesse sentido entre o Governo de Pedro Sánchez e o Podemos, mas que acabaria por não sair do papel. Com eleições à porta, o processo está, por agora, em banho-maria, mas continua na agenda política.

Incentivos fiscais são também a opção em Itália. Aí, os proprietários que aceitem contratos de cinco anos e rendas controladas – fixadas por associações locais de inquilinos e proprietários – têm descontos nos impostos que, no caso de algumas grandes cidades, podem significar mesmo uma taxa única de 10%.

Na Bélgica não há quaisquer restrições aos preços, mas o tema está igualmente na agenda política, segundo os especialistas locais da CMS. E o mesmo acontece no Reino Unido, país onde "o Governo está a equacionar formas de controlar o enorme aumento nos arrendamentos do setor privado", referem os juristas da CMS. Contudo, acrescentam, "há oposição ao controle de rendas, nomeadamente por parte da Associação Nacional de Proprietários, que avisa que a introdução de limites às rendas poderá levar o mercado a retrair-se".

Na Holanda não há regras, e tudo depende da vontade das partes, mas têm uma componente grande de habitação social. Tal como nos países nórdicos, como Suécia ou Dinamarca onde 21% do total da habitação permanente é constituído por habitação social.

O exemplo dos Estados Unidos


Nos Estados Unidos, onde o problema da habitação é igualmente preocupante, o Oregon acaba de se tornar o primeiro estado a limitar os aumentos de rendas. No início de março, o parlamento local aprovou uma lei segundo a qual num ano as rendas não podem subir mais do que 7% acima da variação da inflação anual a menos que os imóveis tenham menos de 15 anos. O Oregon debate-se com problemas graves de falta de habitação, e há muita gente despejada e a viver em rulotes ou na rua. Na mesma lei agora aprovada, passam também a ser proibidos os despejos sem justa causa. Também nos EUA, mas a um nível mais local, cidades como Nova Iorque, Los Angeles ou São Francisco têm regras semelhantes, em que variam apenas as percentagens dos aumentos permitidos anualmente. Não se aplicam, no entanto a todo o mercado, mas apenas a algumas zonas mais pressionadas ou, no caso de Nova Iorque, a imóveis anteriores a 1947.