Helena Roseta
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Fundo para a reabilitação escapa às regras da contratação pública
19-02-2019 Filomena Lança, Negócios
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A lei manda apenas que sejam aplicados os princípios da contratação pública, deixando ao Fundo uma grande margem de manobra e flexibilidade nas empreitadas. Fundiestamo garante toda a transparência, mas a opção é polémica e a Ordem dos Arquitetos já se recusou a participar.

O Fundo Nacional para a Reabilitação do Edificado (FNRE) não está sujeito à aplicação das regras e aos prazos da contratação pública nas aquisições de bens e serviços ou contratos para execução de empreitadas. Isso permite-lhe "reabilitar sem burocracias e sem delongas". A informação consta de uma apresentação que a Fundiestamo, empresa do universo Parpública que gere o fundo, tem vindo a fazer pelo país, nomeadamente junto de autarquias interessadas em colocar imóveis no FNRE.

Com efeito, de acordo com a lei de Orçamento do Estado para este ano, o que se prevê é que sejam "observados os princípios gerais da contratação pública, designadamente os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação", uma formulação que dá cobertura legal à opção do Governo, mas que permite que, por exemplo, não tenham de ser seguidas as regras que obrigam à realização de concursos públicos para obras a partir de um determinado montante fixado por lei.

A isso, soma-se o facto de a Fundiestamo, gestora do FNRE, não estar sujeita, por sua vez, a visto do Tribunal de Contas (TC), na medida em que "não integra o perímetro de consolidação orçamental", como explica fonte oficial.

O FNRE, recorde-se, foi criado pelo Governo para integrar imóveis devolutos do Estado, autarquias e terceiro setor, reabilitá-los e depois destinar pelo menos 51% dos fogos para habitação. O financiamento vem do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

O Fundo começa agora a integrar imóveis – reuniu nove até agora e estima-se que venham a ser 250 – mas "o modelo de gestão não dá garantias de ser devidamente escrutinado publicamente", seja "pelo Tribunal de Contas, seja meidante a aplicação das regras da contratação pública". O alerta vem de Helena Roseta, deputada do PS. Roseta foi uma das defensoras da criação do FNRE, mas vem agora questionar por que razão a sua gestão "foi entregue a uma sociedade anónima e não a uma entidade que tivesse de prestar contas ao TC e de cumprir o Código dos Contratos Públicos".

"Todos os procedimentos não concursais estão sujeitos a critérios objetivos e transparentes" e "as regras do FNRE garantem toda a transparência", assegura ao Negócios fonte oficial da Fundiestamo, sociedade liderada até esta semana por Alberto Souto de Miranda, que na sequência da remodelação do Governo passou agora a secretário de Estado Adjunto e das Comunicações do novo ministro das Infraestuturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.

Exceção à regra


O Código dos Contratos Públicos "aplica-se desde que o financiamento seja maioritariamente público", explica Pedro Melo, advogado e especialista em contratação pública. Ora, esta é a regra geral que, como todas as regras gerais pode ser excecionada. E foi o que aconteceu neste caso com a Lei do Orçamento do Estado para 2019, refere o especialista, que não tem dúvidas de que existe base legal para a forma de funcionamento do FNRE. Por outro lado, o Governo pediu um parecer jurídico à Sérvulo & Associados que conclui que "a Fundiestamo prossegue uma atividade de interesse geral com caráter industrial e comercial", pelo que na prática não pode ser "qualificada como organismo de direito público e logo submetida ao âmbito de aplicação do regime da contratação pública".

Este regime, explica Pedro Melo, quando se aplica, obriga a que as adjudicações diretas não possam ultrapassar os 150 mil euros e que quando somem mais de 30 mil, seja feita uma consulta prévia a pelo menos três entidades. Acima dos 150 mil euros é preciso fazer um concurso público.

Ordem dos arquitetos recusa participar

Ainda que admitindo igualmente que não se está em presença de uma ilegalidade, a Ordem dos Arquitetos, presidida por José Manuel Pedreirinho, não concorda com a forma como estão a ser escolhidas as equipas de projetistas que vão reabilitar os edifícios. Não só aconselha os membros a não participar, como recusou integrar um júri criado para selecionar um conjunto de arquitetos a que serão depois atribuídos, por sorteio, os projectos de reabilitação.

"Não percebemos os critérios de seleção, feita apenas pelo currículo, quando, na nossa opinião, devia haver um concurso caso a caso" para cada projeto que venha a ser contratado, explica Pedreirinho. Desta forma, o que acontece é "os projetos acabarem por ser sempre entregues aos mesmos, aos nomes mais conhecidos da praça. Se é para isso, façam adjudicações diretas e não venham dizer que estão a cumprir as regras que o próprio Estado criou", desabafa.